Oh meu amor... se te pudesse ver mais uma vez...
Doem-me os pulmões, doem-me tanto!
É como se cada vez que respirasse morresse mais um pouco, é como se respirasse veneno!
Não te volto a ver, já sei, por isso faz o que te peço.
Beija por mim os olhos dos nossos filhos, beija-os e engole-lhes as lágrimas antes que lhes caiam dos olhos, antes que percebam que ainda são crianças, antes que suspeitem que podiam ter um futuro mais feliz.
Canta por mim ao nosso filho que trazes no ventre a música que me embalou toda a vida, a mim e aos meus camaradas do luto do carvão:
"Santa Bárabara bendita,
Padroeira dos Mineiros,
vê lá!
Vê lá, companheiro, vê lá!
Vê lá como venho eu...
Trago a cabeça aberta
que me abriu uma barreira,
vê lá!
Vê lá companheiro, vê lá!
Vê lá como venho eu...
Trago a camisa rota
e o sangue de um camarada,
vê lá..."
Hoje o sangue vai ser o meu.
Vai secar em postas.
Vou ser só mais um a morrer aqui debaixo.
Não me esqueças, meu amor.
Doem-me os pulmões.
Falta-me o ar...
O ar é veneno...
Respira por mim...
Abre as janelas de par em par...
Ajuda os nossos filhos a ganhar asas...
Faz com que a única coisa limpa da minha vida não seja o lençol que me há-de envolver quando sair daqui.
Faz com que minha vida não tenha sido estúpida do princípio ao fim.
Amo-te.
Susana Soares
16.11.09