Não gosto de futebol, nunca gostei.
Excepto em duas situações: no Mundial de Saltillo, porque ficava acordada de madrugada com o meu pai a comer tremoços e a beber Trinaranjus de ananás, e porque tinha uma caderneta de cromos das selecções e dos jogadores que comprava no Sr. Quirino, e nos penáltis, porque poupavam a seca dos noventa minutos mais descontos sem nada de verdadeiramente interessante para ver.
Até ontem, pararia em frente à televisão se me dissessem que iam decidir o jogo a penáltis.
Hoje não.
Hoje foi dito claramente nas notícias o que ontem ficou nas entrelinhas da morte de Robert Enke: suicidou-se.
E eu, que não gosto de futebol, nem sei que perda desportiva foi a da vida deste rapaz de trinta e dois anos, fui assaltada por um peso enorme no coração.
O peso de quem se sente esmagada pelo desgosto que leva a um fim assim.
O peso de um silêncio que transbordou as capacidades físicas de o suportar.
O peso da dor que se sobrepôs a uma filha adoptiva de oito meses, a uma companheira que ficou ao seu lado, tentando reconstruir um mundo irremediavelmente destruído pela morte de uma filha de dois anos, com problemas cardíacos.
O peso de quem entende que há dramas interiores que escurecem por dentro qualquer coração, por muito iluminado que se seja pelas luzes da ribalta, pelo carinho dos outros, pelo reconhecimento do valor de cada um.
Este rapaz, que deve ter livrado muitas vezes as suas equipas da morte súbita dos penáltis, não se pôde livrar a si.
E é por isso que deixei definitivamente de gostar dos penáltis.
Porque deixaram de ser para mim a diferença entre a morte súbita e a morte lenta.
Susana Soares
11.11.09
2 comentários:
Sentimentos a brotar carregados de arrepios...
Abraço Lunar*
Bem...gostei mto!!
Esse Guarda-Redes que muito defendeu e muitos foram os golos que lhe passaram entre as maos!
Os penaltis sao marcados quando alguém comete uma falta ou para decidir um vencedor...faz todo o sentido.
Desta vez foi o duelo entre a vida e a morte, a vida rematou-o e a morte defendeu-o.
o publico? limita-se a ser assaltado " por um peso enorme no coração.
O peso de quem se sente esmagada pelo desgosto que leva a um fim assim.
O peso de um silêncio que transbordou as capacidades físicas de o suportar."
Bjo*
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